A Gazeta do Povo entrevistou um filósofo para tentar entender por que o casamento do filho da Lady Di despertou tanto interesse. Eu vou além do filósofo. Acho que não é só o povo que busca se esquecer num conto de fadas, a imprensa também contribuiu muito com essa "encheção de saco".
Abaixo a entrevista na íntegra:
“Nada a ver conosco”
Eduardo Oyakawa, professor de Filosofia da Escola Superior de Propagada e Marketing (ESPM), de São Paulo
Publicado em 17/04/2011 | Danilo Almeida, especial para a Gazeta do Povo
Fale conoscoRSSImprimirEnviar por emailReceba notícias pelo celularReceba boletinsAumentar letraDiminuir letraTamanha atenção com um evento distante – pessoal e geograficamente – pode ser uma fuga da dura realidade do cotidiano. O professor Eduardo Oyakawa explicou à Gazeta do Povo os motivos.
Por que o casamento real britânico desperta tamanho interesse?
Saiba mais
Em um conto de fadasVivemos em uma cultura das celebridades, fazemos um enorme esforço para estar sob os holofotes o tempo inteiro. Logo, um casamento desse porte é um momento magnífico para que nós reparemos no vestido da noiva, no anel dela, em tudo o que cercará os noivos. Parece que nós cortamos o cotidiano, o tédio, o comum que caracteriza o dia a dia para entrarmos num mundo encantado.
Em busca de quê?
Ficamos fantasiando uma vida absolutamente etérea, perfeita: no caso do príncipe, são dois jovens muito bonitos, dinheiro certamente não será problema, há muito glamour. Então saímos do cotidiano e projetamos, por uma fração de segundo, de maneira fantasiosa, um mundo epifânico, metafísico. Nós, meros mortais telespectadores.
É um escape da nossa vida comum, então?
Sem dúvida. Por um momento nos espelhamos em alguma coisa aparentemente perfeita, irretocável, e nos preocupamos com qual será o vestido da noiva, quem serão os convidados, qual será o menu servido. Diretamente, isso não tem nada a ver conosco.
Mas assistir a isso pode nos dar algum prazer.
Isso é recorrente na história da humanidade. Nós precisamos de frestas, de janelas para nos projetarmos em outro tempo que não o nosso, que é algo rotineiro e comum demais.
Há problemas em se entregar a essa fantasia?
Temos paradigmas muito altos para os nossos próprios relacionamentos. Nós queremos nos parecer cada vez mais com um príncipe, e esse príncipe merece ter uma princesa. O dia da noiva é aquela coisa: limusines, fraques. Claro que estamos mimetizando, de alguma maneira, um momento encantado, que é o nosso próprio casamento. É o lugar em que nós somos o príncipe, de fato, para depois imediatamente cairmos no sacrilégio do dia a dia. Se é possível manter o glamour do casamento com a burocracia do cotidiano, essa é uma questão para poucos.
O casamento ainda é tão forte assim?
Especialmente na Inglaterra. Quem acompanha um pouco o ethos britânico sabe o quanto os ingleses são devotos da realeza: a rainha é um ícone inquestionável. Quem vê de fora pode ter um olhar de exotismo, mas também é encantadora aquela celebração, como se o casamento fosse alguma coisa eterna mesmo, como se o casal vivesse num reino encantado, cercado de serviçais, e a única ocupação deles fosse escolher o cavalo para a equitação do dia. A gente tem um pouquinho de inveja disso, eu acho.
E qual o significado político desse casamento?
A Inglaterra tem sofrido muito em matéria econômica nos últimos anos. O país precisa urgentemente de modernizações, mas os ingleses, em seu hábito, são bastante conservadores. A briga política inglesa sempre se dá nesse patamar: entre uma modernização – num viés americano das relações sociais – e a tradição muito forte daquele que já foi um império muito poderoso. O significado do casamento real é que, ainda que haja a modernização inglesa, as instituições devem ser compreendidas sob um olhar muito conservador. Essa ambiguidade caracteriza o povo inglês no século 21, ainda.
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